No Brasil, as mensagens governamentais demonstram que nada se aprende com a evolução da pandemia. Desobrigar máscaras, não estimular vacinação e encerrar uma emergência sanitária são mensagens claras de que a população pode relaxar enquanto o vírus infecta e mata às centenas.
São Paulo, o estado onde mais houve contágios e mortes por covid-19 no Brasil, preserva o uso de máscaras apenas no transporte coletivo e unidades de saúdes desde 17 de março. Na maioria dos ambientes onde o contágio pode se disseminar descontroladamente, isso é apenas uma recomendação, como festas privadas e de rua, arenas esportivas, bares e restaurantes e shows lotados de pessoas cantando aos berros e cuspindo partículas umas nas outras.
Especialistas de todo o mundo criticam o fato dos governos não demonstrarem um aprendizado com a experiência da pandemia. Assim como reagiram, em 2020, como se nunca tivessem visto uma disseminação global de vírus antes, passados alguns meses da pior pandemia do século, se comportam, mais uma vez, como se tudo fosse coisa do passado.
É o caso do Ministério da Saúde de Marcelo Queiroga, único governo do mundo que decretou o fim da emergência sanitária em tom celebrativo, como se a pandemia tivesse se encerrado, algo que nenhum outro país sugeriu. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, admitiu ser o único presidente do mundo que não obrigou a realização de lockdowns, como se isso fosse uma decisão inteligente.
No entanto, em muitas partes do mundo, a oscilação para cima da onda de casos é um fato inegável, que, mesmo não alarmando os sistemas de saúde, aponta para a necessidade de adaptação da sociedade a um ambiente epidemiológico permanente.
Agora é a vez do Brasil, onde vivemos um momento propício a Síndromes Respiratórias Agudas Graves, devido ao frio, aliado a mutações do coronavírus que se esforçam para descobrir novas formas de penetrar e infectar os pulmões vacinados da maioria da população.
Em imunologia, assim como o corpo aprende a se defender de corpos estranhos querendo infectá-lo, a forma como uma mensagem de saúde pública e comunicação científica é apresentada à população importa tanto para sua eficácia, quanto a própria ameaça. Quando o contexto muda, a estratégia e as mensagens para o público também devem mudar.
O professor associado de Imunologia da Universidade de Brock Adam J. MacNeil defende que, ao longo da pandemia, seu contexto mudou à medida que o vírus mudou. Em artigo no The Conversation (EUA), ele explica que, quanto mais se aprende sobre o vírus, melhor as mensagens de saúde pública podem ser adaptadas para amenizar o impacto do vírus.
No início de 2020, a disseminação viral local era baixa e nossa compreensão da transmissão era incipiente. Os conselhos de saúde pública refletiam isso. Hoje, a propagação viral da comunidade é alta e entendemos suas rotas de transmissão. As mensagens públicas deveriam ter se adaptado a esse conhecimento. Em vez disso, máscaras e outras proteções foram retiradas .
MacNeil diz que, fundamental do ponto de vista da estratégia de saúde pública, aprendemos que esse vírus se espalha principalmente por vias aéreas. Mas o que não foi bem feito é moldar a compreensão pública disso para informar um modelo mental forte que pode ser aplicado para avaliar o risco pessoal e público. Sabemos que a qualidade da máscara é importante , com K/N95 como a melhor escolha . Sabemos que a ventilação e a filtragem do ar interior são importantes. E sabemos que as vacinas funcionam para treinar seu sistema imunológico, sendo três ou quatro doses ideais nesse contexto específico.
À medida que a terceira onda diminuía no Brasil, a mensagem de tentar “viver com a covid-19” começou a se disseminar. De acordo com MacNeil, essa mudança nas mensagens tem consequências. Aceita que ondas recorrentes do vírus circulem, com o consequente impacto em nossa saúde pessoal e comunitária. Isso inclui o impacto desconhecido de subvariantes emergentes e novas variantes futuras. Para minimizar esses riscos, é necessário não apenas se render a viver com o vírus e esperar um retorno ao normal, mas também se adaptar a viver com um estranho e perigoso vírus.
E não apenas isso. Desde então, já surgiu uma hepatite infantil, que se chegou a cogitar que estivesse relacionada com a vacinação em crianças, e agora lidamos com a disseminação de uma nova cepa de varíola. Ambientalistas são os mais engajados em dizer que o mundo globalizado, altamente povoado e agressivo à natureza e aos animais, é um lugar onde pandemias vão surgir e se espalhar com mais frequência do que antes. Vírus animais dificilmente evoluíam para contaminar humanos, algo que tem ocorrido com certa frequência.
Bolsonaro em esconder notícia ruim, também corremos o risco de não saber exatamente o que nos atinge. Felizmente, ainda temos acesso a informa Num país dominado por apagões estatísticos deliberados, por interesse do governo, ainda temos acesso a informações internacionais e uma imprensa livre interessada em comunicá-las. Mas sabemos que subvariantes de Omicron BA.4 e BA.5 foram detectadas no Brasil .
Apesar da eficácia das vacinas atuais, a vacinação não resolverá isso sozinha. Mais ferramentas estão a caminho na forma de vacinas adaptadas a variantes , pan-coronavírus e vacinas mucosais (sprays nasais), além de antivirais.
O caminho de volta a um senso de normalidade não envolve ignorar a ameaça e deixá-la passar, esperando que o dano seja administrável. Segundo McNeil, o caminho de volta ao normal pode depender da educação pública sobre vacinação, mitigação de riscos – como saber quando é melhor usar máscara e qual escolher – e desenvolvimento de políticas para melhorar a qualidade do ar de ambientes internos.
À medida que a pandemia continua, o comportamento público e pessoal precisa evoluir com o contexto da pandemia em mudança, com mensagens claras de saúde pública e ações de infraestrutura.
“Como as peças do sistema imunológico, estamos todos juntos nisso, não individualmente”, compara o imunologista.