Antes do inquérito sobre o golpe, outros dois devem ser encerrados: o da adulteração das vacinas e o do caso das joias. Bolsonaro, já inelegível, deve acumular condenações
Jair Bolsonaro é um homem à espera da prisão. Aos poucos, a Polícia Federal (PF) conclui o quebra-cabeça que mostra quão envolvido o ex-presidente estava com a tentativa de um golpe de Estado para se manter no poder. Já há provas que alteram seu status de “autor intelectual” para “autor material” do golpe, conforme palavras do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em seu depoimento à PF, em 22 de fevereiro, Bolsonaro preferiu ficar calado. Mas três dias depois, durante seu discurso na Avenida Paulista, em São Paulo, admitiu saber da existência de uma minuta golpista. Em delação premiada, Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordens da Presidência da República, já havia denunciado o elo direto entre Bolsonaro e o documento – mas faltavam provas. A confissão de Bolsonaro, aparentemente involuntária, foi incluída em inquérito.
A sorte do ex-presidente, ainda assim, parecia renovada pelo fato de que a maioria dos outros depoentes de 22 de fevereiro também permaneceu em silêncio, sobretudo os militares. Foi o caso dos ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa); do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno; e do ex-comandante da Marinha Almir Garnier.
Houve quem respondesse a todas as perguntas, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Porém, no cálculo bolsonarista, essas figuras não trariam risco para a estratégia de defesa do ex-presidente. Qual estratégia? Sustentar a tese de que Bolsonaro, uma vez ciente da minuta, teria ignorado seu conteúdo, não dando curso a nenhuma iniciativa do gênero.
Essa linha, frágil de nascença, foi inteiramente destroçada nas sexta-feira (1º/3), quando o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército no último ano do governo Bolsonaro, depôs por oito horas à PF. A expectativa da investigação era a de que Freire Gomes fosse confrontado com parte da delação premiada de Mauro Cid, a fim de confirmar ou contestar as informações.
Só que o general, na condição de testemunha, foi além. Além de responder a todas as perguntas e ratificar os pontos centrais da delação, Freire Gomes trouxe novos elementos devastadores para Bolsonaro. Ele afirmou, por exemplo, que foi apresentado à famosa minuta golpista pelo próprio ex-presidente e pelo ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Disse, ainda, que existia uma segunda minuta, eclipsada pela primeira, mas igualmente reveladora das intenções de Bolsonaro e cia.
O depoimento-bomba decodificou ainda mais o roteiro do golpe e tornou praticamente inevitável a prisão de Bolsonaro. Antes, claro, haverá o indiciamento, o julgamento e a condenação. Estima-se que os indiciamentos sejam formalizados entre junho e julho. Novas delações premiadas podem acelerar o processo – e poupar cabeças –, mas não devem alterar o rumo do inquérito.
Antes desse inquérito sobre o golpe, outros dois devem ser encerrados: o da adulteração das vacinas e o do caso das joias. Bolsonaro, já inelegível, deve acumular condenações. Dizem que, quanto maior o tempo de um criminoso fora da prisão, mais ele se sente confiante na impunidade. Convém ao ex-presidente não acreditar nessas predições que, ao fim e ao cabo, de nada servem.